A educação domiciliar, conhecida como homeschooling, é um tema que mobiliza debates jurídicos, políticos e pedagógicos no Brasil. Para gestores de escolas privadas, compreender o cenário legal e os projetos em tramitação é fundamental para o planejamento institucional e a relação com famílias e órgãos reguladores. Este post traz um panorama completo, com base em dados reais, decisões do STF, legislação vigente e projetos de lei em discussão.
Situação atual: o homeschooling é legalizado no Brasil?
Não. Atualmente, o homeschooling não é reconhecido como modalidade legal de ensino no Brasil. A obrigatoriedade de matrícula e frequência em instituição regular está prevista:
- No Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 8.069/1990)
- Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996)
Decisão do STF
Em setembro de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, sem lei federal específica, os pais não têm direito de retirar os filhos da escola para educá-los exclusivamente em casa.
O entendimento majoritário foi de que:
- A educação é dever compartilhado entre Estado e família
- A frequência escolar é necessária para garantir socialização e diversidade de experiências
Em 2025, o STF reafirmou que apenas o Congresso Nacional pode regulamentar o ensino domiciliar. Leis estaduais, municipais ou distritais que autorizem o homeschooling são inconstitucionais, pois invadem a competência privativa da União.
“A norma distrital contraria entendimento firmado pelo Plenário da Corte, que condiciona a validade do ensino domiciliar à edição de legislação federal específica.” — Ministro Flávio Dino, STF
Projetos de lei em tramitação
Apesar da vedação atual, há projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional para regulamentar o homeschooling.
Principais propostas
1. PLP 118/2025 (Partido NOVO)
Apresentado em maio de 2025, busca permitir a educação domiciliar na educação básica, autorizando sua regulamentação pelos estados e Distrito Federal, desde que respeitados:
- Princípios constitucionais
- Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
Exige:
- Ensino para alunos de 4 a 17 anos
- Compartilhamento de responsabilidade entre família e poder público
- Cumprimento da BNCC
- Avaliação e fiscalização pelo poder público
- Promoção da integração social do aluno
2. PL 1.338/2022 e substitutivos
Aprovado na Câmara dos Deputados em 2022, aguarda análise no Senado Federal.
Principais pontos:
- Permite homeschooling para a educação básica (pré-escola, fundamental e médio)
- Exige matrícula do estudante em escola credenciada, que supervisionará o processo
- Pelo menos um dos pais ou responsáveis deve ter ensino superior ou técnico reconhecido
- Apresentação de certidões criminais negativas
- Relatórios periódicos e avaliações anuais obrigatórias
- Garantia de socialização e desenvolvimento pleno do estudante
3. Projetos anteriores
Em 2019, o governo federal enviou projeto de lei ao Congresso para regulamentar a educação domiciliar, propondo:
- Alteração do ECA e da LDB
- Inclusão de requisitos mínimos
- Fiscalização obrigatória
Exigências e regras propostas
As propostas em tramitação estabelecem critérios rigorosos para adesão ao homeschooling:
- Matrícula obrigatória em escola credenciada
A instituição supervisiona o desenvolvimento, aplica avaliações e recebe relatórios periódicos. - Requisitos para os responsáveis
Pelo menos um dos pais deve ter ensino superior ou estar cursando, com prazo de transição para adequação. - Avaliação e socialização
O aluno deve ser avaliado anualmente e participar de atividades que promovam integração social. - Relatórios e fiscalização
Relatórios bimestrais ou trimestrais devem ser enviados à escola. Há previsão de encontros presenciais para acompanhamento. - Proibição para pais condenados
Pais condenados por crimes hediondos, sexuais ou previstos no ECA ficam impedidos de aderir à modalidade.
Posição do STF: casos recentes
- 2018: STF decide que o homeschooling só pode ser regulamentado por lei federal, não sendo permitido com base na legislação atual.
- 2025: STF mantém a inconstitucionalidade de leis estaduais e distritais que tentaram instituir a educação domiciliar, reforçando a necessidade de legislação federal.
- Recurso Extraordinário 1492951: O STF confirmou que a competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação é exclusiva da União, invalidando normas locais sobre o tema.
Impactos para escolas privadas
- Obrigatoriedade de matrícula
Mesmo com homeschooling regulamentado, os projetos exigem matrícula em escola credenciada, que terá papel de supervisão, avaliação e emissão de relatórios. - Novas demandas administrativas
Escolas privadas poderão ser procuradas por famílias interessadas em homeschooling e devem estruturar processos de acompanhamento, avaliação e interação com pais-educadores. - Fiscalização e responsabilidade
As escolas serão responsáveis por garantir o cumprimento da BNCC, da avaliação do desenvolvimento e da socialização dos alunos. - Riscos jurídicos
Sem lei federal vigente, escolas que aceitarem alunos exclusivamente em homeschooling podem incorrer em irregularidades, inclusive quanto ao censo escolar e à emissão de documentos oficiais.
Dados atuais
- Crescimento da prática
Em 2018, estimava-se cerca de 7,5 mil famílias praticando homeschooling, número que aumentou cerca de 20 vezes desde 2011. - Taxa de crescimento
A prática cresce a uma taxa anual de 55%, mas ainda permanece minoritária diante do universo de alunos brasileiros. - Posição do MEC e do governo federal
O governo Lula é contrário ao homeschooling, e o Ministério da Educação tem se posicionado de forma crítica à regulamentação da modalidade.
Conclusão
No Brasil, o homeschooling ainda não é legalizado. A prática depende da aprovação de uma lei federal específica, conforme reiterado pelo STF.
Projetos de lei avançam no Congresso, mas até sua aprovação e sanção, permanece obrigatória a matrícula e frequência em instituição regular para todas as escolas, públicas e privadas.
Gestores de escolas privadas devem:
- Acompanhar atentamente a tramitação dos projetos
- Preparar-se para possíveis mudanças
- Estruturar processos de supervisão e avaliação, caso a modalidade seja regulamentada
Até lá, é fundamental manter o rigor no cumprimento da legislação vigente, para evitar riscos jurídicos e garantir a qualidade da educação oferecida.